Olá leitores queridos!
O Avesso da Moda inaugura uma nova seção, a de Colunistas, que contará com artigos enviados por pesquisadores de diversas áreas e abordará assuntos variados.
Para abrir a seção, contamos com o texto de Rosângela Canassa: "Análise do filme Volver e o figurino no cinema de Almodóvar". Espero que gostem!
Análise do filme Volver e o figurino no cinema de Almodóvar
Penélope Cruz |
“O hábito fala pelo monge, o vestuário é comunicação além de cobrir o corpo da nudez, ela tem outras finalidades.” (Umberto Eco)
O filme Volver (2006) narra a história de Irene (Carmen Maura), uma mãe que morre num incêndio e deixa as suas filhas numa situação financeira desesperadora. De repente, a mãe surge como um fantasma, aparentemente, para ajudar as filhas.
O súbito reaparecimento da figura materna deixa as filhas atordoadas como se tivessem que conviver com um fantasma dentro de casa. O retorno dela depois de cinco anos ausente, cria uma situação absurda e ao mesmo tempo engraçada, a mãe escondida debaixo da cama, o gosto de non-sense da obra de Almodóvar.
Carmem Maura (Irene) |
Os laços de família surgem na relação entre as duas irmãs, Raimunda (Penélope Cruz) e Sole (Lola Dueñas), cuja cumplicidade se mantém motivada pela morte da matriarca.
A personagem Raimunda, com seu talento para o canto e a culinária, ganha a vida como faxineira, mas é explorada pelo marido desempregado.
Penélope Cruz (Raimunda) |
A irmã Sole (Lola Dueñas) cuida de um salão clandestino, dentro de sua própria casa e mora sozinha.
O figurino é elemento essencial para a construção da personagem no cinema de Almodóvar
O figurino de Raimunda (Penélope Cruz) |
Além da comunicação, as roupas possuem outras funções, como a construção de uma personagem em uma produção artística, cinema, teatro ou vídeo, o figurinista é o profissional que idealiza ou cria a indumentária, que tem uma relação íntima com a personagem. Este deve levar em conta a época em que se passa a trama, o local onde as cenas serão gravadas (internas e externas). O figurino pode definir o espaço/tempo em que a história é narrada.
Em Volver, o trabalho da figurinista Bina Daigeler (1965) consistiu em transformar Penélope Cruz em uma diva italiana dos anos de 1950/1960. As roupas usadas pela atriz foram inspiradas nos exuberantes decotes e corpetes de Sophia Loren (1934) no filme: Ontem, Hoje e Amanhã (1963), de Vittorio De Sica (1901-1974) (Col. Folha Cine Europeu, Starling, p. 58)
Penélope Cruz e Sofia Loren |
Segundo Almodóvar, ele se inspirou no Neorrealismo Italiano, com alguns toques de Surrealismo, e não hesitou em dar a Penélope Cruz uma imagem que recorresse a todos os artifícios puramente cinematográficos. Ele queria descobrir a imagem da mulher, da mãe de família em todo o seu esplendor, tal como existe no cinema italiano (Revista Bravo, 2011, p.28).
A maquiagem e os cabelos que compõem a figura da personagem Raimunda, também, são inspirados nas divas italianas.
A escolha das roupas faz parte da construção das personagens de uma maneira especial. No início era o próprio Almodóvar e seus amigos que decidiam o que o elenco usaria, emprestando, às vezes, peças do próprio vestuário. Com a profissionalização de seu cinema, o diretor passou a recorrer a estilistas para criarem roupas originais, que expressassem o jeito de ser das personagens. O talento dos figurinistas de Almodóvar não consiste somente na criação de roupas originais, mas também na reutilização e invenção de estilos particulares, com base em peças já existentes (Col. Folha Cine Europeu, Starling, 2011, p. 58). No filme Volver, as mulheres são passionais, vingativas, emotivas, fortes, com seus fetiches e desejos. E o perfil de cada personagem de Almodóvar acaba aparecendo em suas roupas, como um objeto de comunicação não verbal, pelos quais se produzem e se trocam significados e valores, é a roupa e suas mensagens.
Raimunda em estado de fúria |
Narrativa visual do filme
Irene e a neta |
O tipo físico e o perfil psicológico da personagem também, podem ser estabelecidos a partir do figurino, quer pela significação da peça, ou parte dela, quer dentro da estrutura do filme.
O diretor enfoca a feminilidade de suas personagens, em planos fechados, sublinhando a natureza de seus corpos, como os seios de Penélope Cruz. O figurino de Raimunda traz uma ideia do perfil de cada mulher do filme.
A importância do figurino para a narrativa é que, caso a roupa seja negligenciada, pode entrar em dissonância com o resto dos elementos do filme e seus significados. A indumentária não pode ser vista como independente da narrativa; a roupa se insere no todo tanto da personagem, quanto do penteado, da maquiagem, das fotos etc.
A narrativa visual do figurino do personagem é um importante signo que comunica, transmite mensagens e produz sentidos, como uma manifestação externa do perfil de cada personagem, como Raimunda, uma mulher forte, sensual e romântica. As imagens visuais de suas roupas comunicam quem é a personagem, e se deduz que existe uma relação das imagens de seu figurino em harmonia com o texto do filme de Volver.
O vestuário possui uma estrutura que auxilia definir a personagem, assim, deve-se considerar a vestimenta e o seu simbolismo dentro de uma cultura, que precisa ser bem marcada, para não confundir o espectador. Além de revelar a cultura em que a personagem vive, a roupa também contribui como um elemento histórico, em casos de filmes de época, em que a vestimenta define o tempo histórico da narrativa fílmica.
Todos que convivem com Almodóvar comentam que ele costuma desprezar as ideias que seus atores trazem para o set, impondo as entonações e os trejeitos que acha convenientes. Como escreveu o ensaísta do The New York Times, no teatro o ator traz a personagem para que o diretor a lapide, enquanto no cinema o diretor arranca a personagem pela goela do ator. Com Almodóvar e com Alfred Hitchcock é assim: “Tenho total poder sobre os atores, pois sou o único espelho em que eles podem se mirar”, costuma dizer o diretor (Revista Bravo, 2011, p.56).
O desempenho do ator depende muito da técnica empregada no cinema (câmara e montagem). No cinema mudo, a pantomima e a expressão mímica falavam pela personagem.
No teatro, o ator elucida a situação, enquanto no cinema, é a situação que elucida a personagem. A imagem de um ator pode se transformar com o auxílio do maquiador (rosto perturbador); do operador que lhe deu a luz trágica; da montadora que fez durar esta imagem o tempo necessário; e, finalmente, do realizador (Morin, 1980, p. 88). A representação do ator de teatro é determinada por certas necessidades práticas. A distância que separa a cena dos espectadores exige uma exacerbação gestual e vocal. Como diz Dullin (1980), o ator de teatro tem de exagerar a emoção. Inversamente, enquanto o ator de teatro, em geral, representa em tom maior, o ator de cinema representa em tom menor (Morin, 1980, p. 83).
A música e a performance do ator em cena
Raimunda |
O diretor espanhol Pedro Almodóvar é conhecido pelo primoroso roteiro e direção em seus filmes, mas as canções e trilhas sonoras, também, compõem as propostas das tramas, de forma harmoniosa, mas nem sempre conhecidas pelo público em geral. As melodias sentimentais são geralmente cantadas por famosas artistas da língua espanhola. São músicas que não tocam nas rádios porque são músicas das décadas de 1940-1960, mas que permanecem na memória da cultura espanhola. As vozes femininas possuem muita dramaticidade e é uma estratégia deste diretor que, por meio da letra da música, vai contando a história da personagem, como a dor de amor sem limites. Na produção de um filme, a música possui um estatuto muito particular, pois o caráter não figurativo do signo musical estabelece uma tensão contínua com os demais elementos da narrativa. Esse aspecto, por si só, aponta a influência do efeito musical na construção de uma cena fílmica.
Nas obras de Almodóvar, a música não serve apenas à ilustração ou à caracterização de atmosferas, ou ao ritmo ao filme. A força dos elementos sonoros em seus filmes acentua a performance do ator em cena, porque as canções ajudam a tecer o fio narrativo de sua obra cinematográfica. O fato de existirem canções cujas letras falam pelas personagens cria uma aliança entre a história da personagem e a canção, numa harmonia no todo do filme. A cena em que Raimunda solta a voz numa canção triste (mesmo sendo dublagem) é comovente. Outra contribuição da canção é que o diretor escolhe as músicas e imprime uma marca de sua identidade. Ele utiliza boleros, merengues, mambos e canções flamencas, interpretadas por grandes artistas latinos, dentro do filme ou fora de cena, segundo a pesquisadora da Universidade de Salamanca, Dra. Matilde Olarte.
Em palestra proferida em 2002, na Holanda, a pesquisadora comentou que:
As canções de Almodóvar participam da composição do perfil dos personagens, fornecem ao espectador um índice de ‘latinidade’, ou mais precisamente, de um modo ‘latino’ de expressar sentimentos e operam, por meio de letras, muitas vezes como uma espécie de fala cantada. Não é incomum encontrar em artigos e críticas sobre os filmes de Almodóvar comentários que atribuem ao fato de ele utilizar canções cujas letras trazem comentários poéticos das situações dramáticas o status de uma marca autoral importante. (Revista Repertório, 2008, p.13)
O modo peculiar de tratar o feminino e o arquétipo materno é outra marca deste diretor neste filme, que dirigiu com muita sensibilidade ao retratar as faces do feminino e o universo familiar. A pesquisadora valoriza e nomeia esta estratégia de direção de metatexto, na obra do diretor. Ela acrescenta, também, que a interpretação vocal é sempre feminina, com acentuada dramaticidade, como as telenovelas mexicanas que têm este perfil que evoca o amor irrefletido, onde o choro nunca é interditado. O amor intenso parece ser o “sal da vida” nessa “vida sem sal”.
O universo feminino sempre instigou este diretor e em suas produções como donas-de-casa, relações conjugais turbulentas, moças supermodernas, amizade entre mulheres, homossexualidade e transexualidade, segundo a pesquisadora.
Sole (Lola Dueñas) e sua mãe |
O filme Volver é uma homenagem à sua mãe, e o diretor comenta:
Desde que a minha mãe morreu, quero crer que ela está comigo, que vive entre a gente, e não de uma maneira abstrata ou psicológica, mas de maneira física. Pensar que os mortos nos acompanham é algo muito bom e muito analgésico. Assim, fiz Volver para invocar a memória dela. Minha mãe é a inspiração para esse filme, pois minha relação com o vilarejo onde nasci vem através dela. (Col. Folha Cine Europeu, Almodóvar, “El País”, 26 de junho de 2005)
Pedro Almodóvar, homossexual assumido e cinéfilo apaixonado, destaca o universo feminino em Volver. A criação de suas personagens, suas principais características, emoções, modos de viver, tudo estabelece um paralelo para a composição do arquétipo feminino almodovariano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARLOS, Cássio Starling. Pedro Almodóvar: Volver. São Paulo: Moderna, 2011. Coleção Folha Cine Europeu, v.6.
MORIN, Edgar. As estrelas de cinema. Lisboa: Livros Horizonte S/A, 1980.
REVISTA BRAVO, 2011.
REVISTA REPERTÓRIO, 2008.
FICHA TÉCNICA
Título do filme: VOLVER
Roteiro e Direção: Pedro Almodóvar
País: Espanha
Ano: 2006
Figurino:Sabine Daigeler
Elenco: Carmen Maura, Penélope Cruz, Lola Duenãs, Blanca Portilho, Yohana Cobo e Chus Lampreave
Sites (Imagens)
Sobre a colunista: Rosângela D. Canassa – pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Identidade e Diversidade Cultural do IA – UNESP. Formada em Psicologia Clínica e Mestrado em Artes (ênfase em análise fílmica) - UNESP
Contato: rocanassa@uol.com.br
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ai eu ja vi esse filme ha muitooo tempo!!!
ResponderExcluirquero mt ver de novo, de vontade
obrigada flor !adorie o post
beijinhos
http://clubedapenteadeira.blogspot.com/
Parabéns pela novidade!! Abrir espaço para colunistas, ainda mais para um tema tão interessante como cinema faz de O Avesso da Moda também, um blog mais gostoso de ler!!
ResponderExcluirAdorei a dica do filme da Rosângela. Pois, filmes que mantêm laços de família sempre "enlaçam" o leitor.
Beijos, parabéns!!
Muito interessante e brilhante matéria
ResponderExcluirMirian querida! Excelente a análise do
filme Volver feita pela Rosângela Canassa
Até deu vontade de procurar pelo filme agora mesmo
Parabéns a ela e a vocês do Avesso da Moda
sempre nos oferecendo o melhor de suas pesquisas
beijinhos cheios de bem querer
da Eliana
gatas, que texto cabeça... tô ainda pensando... não tinha reparado em tudo isso quando vi o filme... gostei... bjokas
ResponderExcluirParabéns pela crítica, postagem, composição de todo o resto!
ResponderExcluirEduardo Oliva
Obrigada a todos que gostaram da análise de VOLVER tem mais lá no meu blog:
ResponderExcluirwww.faroartesepsicologia.blogspot.com.br